Sobre o eventual encerramento de seis urgências obstétricas

“As seis urgências obstétricas em risco de fechar fizeram 7,8% do total de partos em 2021” (Público, 14 de outubro de 2022) 

https://www.publico.pt/2022/10/14/sociedade/noticia/seis-urgencias-obstetricas-risco-fechar-fizeram-78-total-partos-2021-2023993?utm_source=copy_paste

Equipa Coordenadora do Nascer.pt (Dulce Morgado Neves, Sónia Cardoso Pintassilgo, Mário JDS Santos)

Notícias sobre o eventual encerramento de seis urgências obstétricas, vindas a público na passada semana, reavivaram a discussão sobre a qualidade dos cuidados em saúde materna e os constrangimentos ao seu acesso, no país. Em causa está uma proposta de concentração dos serviços de urgências apresentada pela Comissão de Acompanhamento das Urgências Obstétricas ao governo. 

Ainda que, entretanto, a decisão sobre o eventual fecho destes serviços tenha sido, segundo o ministro da saúde, protelada para o próximo ano, a divulgação desta notícia trouxe a debate várias questões, relacionadas com o acesso aos cuidados de saúde materna e com os critérios para a reorganização desses mesmo serviços, que merecem a nossa análise. 

 

O acesso aos cuidados de saúde materna e obstétrica 

Desde a pandemia por Covid-19 que têm sido identificados constrangimentos na prestação e no acesso a cuidados de saúde materna e obstétrica, agravados durante os meses de verão, quando a falta de especialistas fez encerrar vários serviços de urgências no país.   

Agora, à notícia de um eventual fecho das urgências de obstetrícia de Famalicão, Póvoa do Varzim, Guarda, Castelo Branco, Vila Franca de Xira e Barreiro, diversas organizações da sociedade civil, órgãos do poder local, organizações profissionais, entre outras, partilharam as suas preocupações solicitando à tutela esclarecimentos sobre a situação e chamando a atenção para a necessidade de repensar a produção de cuidados em saúde materna em Portugal.  

A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto enviou uma carta aberta ao ministro da saúde, Manuel Pizarro, onde partilha a preocupação face à expectável sobrecarga dos serviços que permanecerem abertos, referindo que “sendo a proximidade das grávidas à urgência médica considerada, pela evidência, uma medida base de segurança para mães e bebés”, a medida agora proposta poderá comprometer a qualidade dos cuidados, aumentando a distância das mulheres face às unidades de saúde, em particular no centro do país. Para além disso, há ainda que ter em atenção o potencial agravamento das desigualdades socioeconómicas da população portuguesa e o facto de esta medida de concentração de recursos poder vir a impactar, de forma particular, populações já por si mais suscetíveis à exclusão do acesso a cuidados de saúde materna, seja pela condição de residirem fora dos centros servidos pelas urgências obstétricas do SNS, seja pela indisponibilidade de recorrerem, em alternativa, a prestadores de cuidado privados.  

Como alternativa ao fecho das urgências de obstetrícia apresentado pelo grupo de peritos ao governo, também a Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras veio propor, em comunicado nas redes sociais, a criação de Unidades de Cuidados na Maternidade, geridas por Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica, para acompanhamento de mulheres de baixo risco na gravidez, parto e pós-parto. Segundo a APEO, esta solução iria responder à necessidade de concentrar médicos obstetras nos grandes centros, especializados no risco, ao mesmo tempo que permitiria às mulheres com gravidezes de baixo risco manter o acompanhamento nos seus contextos de proximidade e em segurança. 

 

Critérios para a definição de uma proposta de organização dos serviços de saúde materna  

Outra questão que merece nota refere-se aos critérios que terão presidido à definição, pela Comissão de Acompanhamento, dos serviços de urgência obstétrica a encerrar. Segundo as notícias divulgadas pela comunicação social, a proposta de concentração das urgências teve em consideração o número de partos realizados e a distância entre os hospitais, entre outros critérios até ao momento desconhecidos. A consideração de critérios para a implementação de mudanças na organização dos cuidados de saúde materna e obstétrica é relevante na medida em que é demonstrativa daquilo que peritos e órgãos de decisão consideram prioritário na prestação de cuidados. Dito isto, o acesso aos cuidados de saúde constitui um direito humano e, no caso da assistência à gravidez e ao nascimento, a satisfação das utentes relativamente à assistência recebida redobra a sua importância, pelo momento excecional que o nascimento de um filho representa nas suas vidas e na das suas famílias. Assim, tal como também já foi mencionado noutras ocasiões e também por outros intervenientes, para além de se considerar necessário conhecer todos os critérios subjacentes a qualquer decisão de alto impacto sobre a produção dos cuidados de saúde materna e infantil, parece-nos fundamental a integração da perspetiva das mulheres e das famílias nestes processos de decisão, nomeadamente levando-se em conta os indicadores de satisfação das utentes relativamente às instituições no acompanhamento da gravidez, parto e pós-parto.