O papel das parteiras e doulas no contexto português

Sílvia Rodrigues, licenciada em Sociologia e membro do nascer.pt

No cenário do parto em Portugal, as parteiras e as doulas são duas figuras distintas do cuidado à saúde materna, trazendo saberes diversos e complementares para o contexto português, oferecendo apoio físico, emocional e informativo às gestantes e às suas famílias.

Enquanto as parteiras – enfermeiras obstetras – são profissionais de saúde, com formação superior, e são responsáveis pelo acompanhamento pré-natal, parto e pós-parto; as doulas não são profissionais de saúde formalmente reconhecidas, embora sejam treinadas para oferecer suporte emocional contínuo durante o processo de nascimento.

A história das parteiras em Portugal remonta a séculos atrás, quando essas mulheres desempenhavam um papel central no auxílio aos partos em comunidades rurais e urbanas. Com o tempo, a profissão de parteira passou por diversas mudanças, incluindo a formalização da formação e regulação da prática.

As parteiras em Portugal têm uma história rica e multifacetada, desempenhando um papel crucial no auxílio aos partos ao longo dos séculos.

Como explicado por Araújo (2015), desde o século XVIII, tanto em Portugal como em outros países europeus, “reivindicava-se (…) a eliminação dos cirurgiões práticos [e] defendia-se a díade científica medicina e cirurgia” (Araújo, 2015). Com isso, as parteiras, apesar de ocuparem um lugar importante, passaram por mudanças significativas.

Na perspetiva de Marinha Carneiro (2007, como citado em Araújo, 2015), a chegada da cientificação da cirurgia no território português trouxe mudanças consideráveis na prática do trabalho de parto.

Como referido por Carneiro (2007, como citado em Araújo, 2015), em 1820 uma revolução trouxe a Portugal um quadro político introduzindo o modelo constitucional de governo. Desse modo, a relação hierárquica entre cirurgiões e parteiras foi impactada. Os cirurgiões passaram a organizar cursos de parteiras nas suas escolas, controlando de forma mais rigorosa o conhecimento e as práticas das parteiras.

Em Portugal, a profissionalização das parteiras começou timidamente no século XIX. Mas, de acordo com Barreto (2011, como citado em Camargo, 2019), foi a partir de 1936 que as parteiras portuguesas iniciaram a sua formação teórica nas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto, após reformas no ensino público.

Desse modo, como referido por Araújo (2015), é aceitável destacar-se que à medida que a cientificação da cirurgia avançou em Portugal, o perfil da parteira foi sofrendo alterações. Se antes as parteiras eram frequentemente mulheres mais idosas, com vasta experiência em partos, que aprenderam o ofício com outras parteiras e eram respeitadas nas comunidades, agora, as parteiras seriam mulheres jovens, geralmente solteiras, com pouca ou nenhuma experiência de maternidade que frequentavam cursos de formação profissional e atendiam às ordens dos médicos. À medida que a profissão de enfermagem foi definindo a sua autonomia profissional, também a profissão de parteira se tornou autónoma, ainda que mantendo algumas atividades em interdependência com a medicina.

Pode-se assim afirmar que em Portugal, a história das parteiras reflete as transformações sociais, avanços científicos e mudanças no papel dessas e desses profissionais ao longo do tempo.

Por outro lado, mais recentemente, surgiram as doulas como uma resposta à necessidade de apoio emocional adicional durante o parto. Embora não tenham uma formação formalmente reconhecida, as doulas recebem preparação especializada para oferecer suporte físico, emocional e informacional às gestantes, proporcionando conforto e encorajamento durante a gestação, o parto e o puerpério. Têm como objetivo principal humanizar o processo de nascimento através da criação de um ambiente acolhedor e pessoal.

Segundo a Rede Portuguesa de Doulas (2023), uma doula é alguém (mulher, homem ou pessoa não binária) que compreende a fisiologia do nascimento e presta apoio emocional e informativo, baseado em evidências científicas (sempre que possível), a outras pessoas durante a gravidez, parto, pós-parto e em outras situações, como na amamentação, preconceção ou perda gestacional. Desse modo, desempenham um papel essencial, oferecendo suporte relacional e prático às gestantes e mães.

Como é explicado pela Rede Portuguesa de Doulas (2023), a palavra “doula” tem origem grega e significa “mulher que serve”. Na antiguidade, as doulas eram “mulheres que cuidavam de outras, especialmente grávidas, mulheres lactantes ou com crianças recém-nascidas” (Rede Portuguesa de Doulas, 2023). Acompanhavam o crescimento dessas crianças nas várias etapas de desenvolvimento, atuando como figuras maternas de confiança.

Como mencionado pela Rede Portuguesa de Doulas (2023), as primeiras referências a doulas na Modernidade remontam a imagens antigas que representam partos, onde era comum a presença de uma ou mais mulheres facilitando ou apoiando o nascimento de bebés e mães. Essas mulheres experientes davam apoio emocional e prático, tornando-se as primeiras doulas. Com o tempo, a palavra “doula” foi adotada no Ocidente para descrever aquelas que ofereciam apoio físico e emocional durante o trabalho de parto e o parto. 

Pode-se concluir que as parteiras em Portugal desempenham múltiplos papéis ao longo do ciclo gravídico-puerperal. Durante o pré-natal, oferecem cuidados médicos e educam as gestantes sobre os processos de gravidez, parto e pós-parto. Durante o parto, estão presentes para monitorizar o progresso do trabalho de parto, fornecer alívio da dor e garantir um parto seguro e saudável. No pós-parto, oferecem suporte para amamentação, cuidados com o recém-nascido e acompanhamento da saúde materna.

As doulas, por sua vez, fornecem um suporte físico e emocional durante o parto. Estão presentes para oferecer conforto físico, técnicas de respiração e relaxamento, bem como apoio emocional contínuo para a gestante e para o seu parceiro. Além disso, as doulas desempenham um papel fundamental na defesa dos desejos e necessidades da gestante, garantindo que as suas preferências sejam respeitadas durante o processo de parto.

Bibliografia

Araújo, A.S. (2015). Parteiras em Portugal, O saber das parteiras: Uma arqueologia no alto Purus [Tese de doutoramento, Universidade Católica de Góias – PPGE/PUC-GO]. https://1library.org/article/parteiras-em-portugal-parteiras-e-história.y4gjg60y

Camargo, J. C. S. (2019). A formação das (os) parteiras (os) em Portugal, O parto na água no contexto hospitalar em Portugal: vivências de mães e profissionais [Tese de doutoramento, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto]. https://1library.org/article/a-formação-das-os-parteiras-os-em-portugal.q73krpky

Rede Portuguesa de Doulas (2023). O que é uma doula?. https://redeportuguesadedoulas.com/o-que-e-uma-doula.html