10 anos de Comemorações do Dia da Higiene Menstrual: Desafios Atuais da Saúde e dos Direitos Menstruais

por Violeta Alarcão e Sónia Cardoso Pintassilgo (Investigadoras Integradas no CIES-Iscte)

O Dia da Higiene Menstrual ­— https://www.menstrualhygieneday.org/, celebrado anualmente no dia 28 de maio [1], foi estabelecido, em 2014, pela WASH United, organização sem fins lucrativos que defende o acesso a água potável, saneamento e higiene (WASH – acrónimo para water, sanitation, and hygiene), incluindo a higiene menstrual, para todas as pessoas do mundo. Desde então, o dia ganhou reconhecimento global e tem sido um marco para aumentar a conscientização sobre a saúde menstrual e quebrar tabus em torno da menstruação em todo o mundo.

O mote para a celebração em 2024 dos 10 anos do Dia da Higiene Menstrual é: “Juntos por um Mundo #AmigoDaMenstruação”.

A hashtag #AmigoDaMenstruação destaca a importância de um ambiente favorável para todas as pessoas que menstruam. Este tema enfatiza a necessidade de eliminar o estigma menstrual e garantir que todas as pessoas que menstruam tenham acesso a produtos menstruais de qualidade, educação sobre a menstruação e instalações sanitárias adequadas.

Embora o movimento menstrual global tenha sido inicialmente liderado, há cerca de vinte anos, pelo setor da água, saneamento e higiene em países de rendimento médio-baixo, a saúde menstrual tornou-se um tópico de saúde pública reconhecido mundialmente (Sommer et al., 2015) e tem vindo a afirmar-se como um campo autónomo de conhecimento com especialistas e ativistas de várias áreas do saber (Bobel et al., 2020).

O primeiro termo a ser utilizado foi o de Menstrual Hygiene Management (MHM), para chamar a atenção para as barreiras relacionadas com a gestão da higiene menstrual em todo o mundo. As terminologias mais recentes Menstrual Health and Hygiene (MHH) e Menstrual Health (MH), expandem a definição original de MHM para incluir questões de saúde (sexual e reprodutiva), educação abrangente, igualdade de género, e direitos humanos. Independentemente do termo utilizado para reconhecer e enquadrar a menstruação como uma questão de saúde, com dimensões físicas, psicológicas e sociais, e não como uma questão meramente de higiene, é importante garantir a inclusão de todas as pessoas que menstruam, não apenas raparigas e mulheres, mas também rapazes/homens trans e pessoas não binárias, de vários contextos sociais e ao longo do curso de vida.

A saúde menstrual tem vindo assim a ser definida como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade em relação ao ciclo menstrual (Figura 1). Esta definição abrangente estabelecida pelo Global Menstrual Collective [2] está alinhada com a definição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) e reflete a natureza multidimensional da saúde menstrual (Hennegan et al., 2021).

Alcançar a saúde menstrual implica não apenas o acesso a produtos menstruais, mas que todas as pessoas que menstruam tenham os recursos (i.e., informações, produtos, instalações sanitárias, ambientes promotores de saúde) para gerir adequadamente a sua saúde menstrual e participar plenamente nas várias esferas da vida durante o seu ciclo menstrual, ao longo do seu curso de vida (Hennegan et al., 2021).

Esta definição abrangente, inclusiva e promotora de saúde menstrual pode ser usada para identificar prioridades de saúde menstrual em diferentes setores e também para impulsionar inovações para melhorar a saúde menstrual e estabelecer metas e indicadores para monitorizar a saúde, os direitos e a equidade menstrual (Hennegan et al., 2021).

Conquistas e desafios globais

Globalmente, foram feitos progressos significativos na abordagem dos desafios relacionados com a menstruação e na identificação da sua relação com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Sommer et al., 2021). Organizações como a OMS e agências da Organização das Nações Unidas, como o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) têm trazido a questão da menstruação para a agenda global de saúde, enfatizando a importância da dignidade menstrual enquanto direito de todas as pessoas que menstruam a terem acesso a produtos de higiene adequados e informações sobre saúde menstrual.

Além do desenvolvimento de estudos evidenciando como a pobreza menstrual pode afetar negativamente a educação e a saúde das pessoas que menstruam, e contribuir para a perpetuação de desigualdades de género, raça e classe social (UNIFPA/UNICEF, 2021), a UNIFPA e a UNICEF disponibilizam vários recursos educativos em torno da saúde menstrual, promovendo a literacia de corpo enquanto forma de empoderamento para a saúde menstrual e decisões informadas sobre a saúde reprodutiva. Essas iniciativas são fundamentais para continuar a combater o estigma e a desinformação em torno da menstruação e para promover a igualdade de género e o desenvolvimento sustentável.

Conquistas e Desafios em Portugal

Em Portugal, o governo tomou medidas para combater a pobreza menstrual e a estigmatização. Em 2023, foi aprovado um projeto-piloto para fornecer gratuitamente produtos de higiene menstrual como medida para combater a pobreza e o estigma menstrual. Esta iniciativa tem como objetivo distribuir estes produtos em instituições de ensino e centros de saúde a quem tem necessidades económicas.

Apesar destes esforços, subsistem vários desafios. A crescente atenção pública e política para combater a pobreza menstrual em Portugal relatada por alguns estudos dispersos[3] precisa de ser informada por pesquisas científicas sólidas, assentes em metodologias de base comunitária e participativa, que coloquem as populações que permanecem marginalizadas no centro da pesquisa, para abordar as causas estruturais das necessidades não satisfeitas de saúde menstrual e permitir o estabelecimento de indicadores de monitorização a nível nacional.

O Dia Internacional da Menstruação serve como um lembrete dos esforços globais e locais contínuos necessários para alcançar um mundo #AmigoDaMenstruação. Embora se tenham verificado conquistas louváveis, os desafios persistentes exigem uma defesa contínua, a formulação de políticas e o envolvimento das pessoas e comunidades.

O Dia Internacional da Higiene Menstrual é uma oportunidade para refletir sobre o progresso alcançado e os desafios que ainda persistem. Ações globais e locais são essenciais para garantir que todas as pessoas tenham uma experiência menstrual digna e saudável.

Bibliografia:

Bobel C, Winkler IT, Fahs B, et al., editors. The Palgrave Handbook of Critical Menstruation Studies (2020). Palgrave Macmillan. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK565605/ doi: 10.1007/978-981-15-0614-7

Hennegan, J., Winkler, I. T., Bobel, C., Keiser, D., Hampton, J., Larsson, G., Chandra-Mouli, V., Plesons, M., & Mahon, T. (2021). Menstrual health: a definition for policy, practice, and research. Sexual and reproductive health matters, 29(1), 1911618. https://doi.org/10.1080/26410397.2021.1911618

Sommer, M., Hirsch, J. S., Nathanson, C., & Parker, R. G. (2015). Comfortably, Safely, and Without Shame: Defining Menstrual Hygiene Management as a Public Health Issue. American journal of public health, 105(7), 1302–1311. https://doi.org/10.2105/AJPH.2014.302525

Sommer, M., Torondel, B., Hennegan, J., Phillips-Howard, P. A., Mahon, T., Motivans, A., Zulaika, G., Gruer, C., Haver, J., Caruso, B. A., & Monitoring Menstrual Health and Hygiene Group (2021). How addressing menstrual health and hygiene may enable progress across the Sustainable Development Goals. Global health action, 14(1), 1920315. https://doi.org/10.1080/16549716.2021.1920315

UNFPA/UNICEF (2021). Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos. Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Available from: https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-unfpa_maio2021.pdf

Notas de rodapé:

[1] O dia 28 de maio tem significado simbólico: maio é o 5º mês do ano, e a duração média da menstruação é de 5 dias por mês. Além disso, o ciclo menstrual tem uma média de 28 dias.

[2] O Global Menstrual Collective foi criado em março de 2019, durante um workshop convocado pelo Water Supply and Sanitation Collaborative Council (WSSCC), para impulsionar o investimento em saúde e higiene menstrual. Para mais informações, consultar: https://globalmenstrualcollective.org/

[3] Bento, H. (2024, 7 Fev). Pobreza menstrual: 12% já tiveram de faltar às aulas. Semanário Expresso. https://expresso.pt/sociedade/2024-02-07-Quase-12-das-raparigas-ja-faltaram-as-aulas-por-nao-terem-dinheiro-para-comprar-produtos-menstruais-e67d87b8

Figura 1: