Vamos falar da depressão pós-parto

Eva Diniz, investigadora no ISPA- Instituto Universitário

Portugal é dos países da União Europeia com piores resultados para a saúde mental, em que a ansiedade e depressão surgem como as mais comuns (OCDE, 2018), frequentemente vividas com estigma e isolamento social (Thornicroft et al., 2022). Apesar de ser uma condição transversal às diferentes faixas etárias, classes sociais e sexos, sabe-se que há grupos e períodos da vida de maior vulnerabilidade. A gravidez e o nascimento de um bebé são considerados como um desses momentos, nomeadamente para a depressão pós-parto (DPP).

O Sistema Nacional de Saúde refere que 10-15% das recém-mães são diagnosticadas com DPP. Dados internacionais apontam que uma em sete mães sofre(u) de DPP (APA, 2022). Isto quer dizer que, se pensarmos em sete amigas nossas com filhos, pelo menos uma tem ou teve DPP. Será que demos por isso? Soubemos como ajudar aquela nossa amiga que parecia sempre cansada, evitante, fria e indiferente com o seu bebé? A quem poderíamos encaminhá-la?

A DPP pode aparecer ao longo do primeiro ano de vida do bebé, mas tipicamente ocorre entre os dois e os quatro meses pós-parto (APA, 2022). A DPP partilha com os outros quadros depressivos os estados prolongados de tristeza, a perda de interesse por atividades diárias, isolamento, ansiedade e irritabilidade, mas com especificidades relacionadas com o nascimento do bebé, nomeadamente medo de não ser uma boa mãe e insegurança em relação às suas capacidades para cuidar do bebé, o que muitas vezes se traduz em indiferença em relação ao bebé e insatisfação com o seu papel materno. Pensamentos ou, em estados mais graves, atitudes violentas em relação ao bebé também podem ocorrer (APA, 2022). Alguns destes sintomas, quando de menor intensidade e duração, são perfeitamente normais e podem ser considerados adaptativos ao nascimento do bebé, configurando os baby blues, que é um estado passageiro, presente nos primeiros dias até às 4 semanas pós-parto.

É muito importante salientar que a DPP, diferentemente do baby blues, não é adaptativa e não desaparece com o passar do tempo. Pelo contrário, o tempo tende a contribuir para o agravamento da intensidade dos sintomas, com preocupantes consequências para a saúde da mãe, do bebé e da qualidade da sua relação. Mães com DPP tendem a ter piores avaliações sobre o comportamento dos seus bebés, o que pode contribuir para menos interações e de pior qualidade, assim como menor sensibilidade para identificar e atender às necessidades do bebé. Isto contribui para comportamentos de indiferença e insensibilidade em relação às necessidades do bebé. É importante salientar que a DPP pode ocorrer em qualquer mulher, independentemente da sua situação familiar, social ou económica. Apesar de haver aspetos sociais e médicos que aumentam a vulnerabilidade para a DPP, essa discussão ficará para outra oportunidade.

Apesar da gravidade e relativa frequência da DPP, é uma situação clínica que, a par das outras condições de saúde mental, tende a ser sub-identificada. Para isso, contribui o estigma e a enraizada construção cultural da maternidade como ápice da realização feminina. Conscientes das expectativas sociais sobre a maternidade, as recém-mães responsabilizam-se sobre os seus sentimentos e emoções negativos, isolando-se. Além disso, frequentemente deparam-se com situações de julgamento e responsabilização sobre os seus comportamentos e emoções, dificultando a procura de ajuda especializada. Deste modo, é fundamental a proximidade e atenção com as mulheres que estão a viver este período de vida tão exigente.

Enquanto familiares e amigos de uma recém-mãe devemos oferecer ajuda e ouvir sem julgamento as suas preocupações e dificuldades. Na presença de sinais de cansaço extremo, ou excessiva insegurança em relação ao bebé, esclarecer que são sentimentos comuns a muitas mulheres, e que não significam fraqueza, ou falta de amor pelo bebé. É importante lembrar que é uma condição frequente e para a qual há soluções. O centro de saúde, médico de família, enfermeira neonatal, ginecologista/obstetra, ou pediatra do bebé são algumas das pessoas qualificadas a quem se pode pedir ajuda. Os profissionais de saúde, em especial aqueles que acompanham as famílias no seu processo de transição para a maternidade, cumprem um papel essencial para identificarem e abordarem alguns destes sintomas em estádios iniciais.

Referências

American Psychological Association (APA; 2022). Postpartum depression: Causes, symptoms, risk factors, and treatment options. Retrieved on September 29th 2023 from https://www.apa.org/topics/women-girls/postpartum-depression

Ministério da Sáude (2023). Depressão pós-parto. Retrieved on September 29th 2023 from https://www.sns24.gov.pt/tema/saude-da-mulher/depressao-pos-parto/

OCDE (2018). Health at a Glance 2018: State of Health in the EU Cycle. OECD Publishing: Paris/European Union, Brussels. Doi: 10.1787/health_glance_eur-2018-en. Retrieved on September 29th 2023 from https://www.oecd-ilibrary.org/social-issues-migration-health/health-at-a-glance-europe-2018_health_glance_eur-2018-en

Thornicroft, G., Sunkel, C., Aliev, A. A. Et al. (2022). The Lancet Commission on ending stigma and discrimination in mental health. The Lancet, 400.