O LABORATÓRIO

Este é um projeto que resulta da identificação, por parte de um grupo de investigadores, da necessidade de reconhecer e desenvolver um campo científico emergente em Portugal, decorrente do cruzamento de diferentes áreas do saber, no qual se analisam e estudam, a partir de perspetivas teóricas e metodológicas diferenciadas, as condições do nascimento, o seu enquadramento social, político, cultural, institucional, bem como resultados decorrentes dessas realidades.

Não se configura, aqui, o nascimento como um acontecimento reduzido ao momento do parto ou até da conceção. Entende-se o nascimento como um processo que começa muito antes desses momentos e das diferentes etapas que os interligam, sendo possível mapear um conjunto de dispositivos, normas e práticas sociais que o enquadram e o regulam. É importante fazê-lo no atual contexto de modernidade e de medicalização das sociedades. E também perceber como evoluiu a organização social do processo de nascimento, dos seus contornos, dos seus resultados a diferentes níveis, que instituições e agentes se encontram envolvidos nesse processo, como a posição de género também aí é determinante e como este processo surge socialmente legitimado.

O reconhecimento deste campo científico vem sendo feito, nomeadamente em Portugal, com mais intensidade nas últimas décadas e a partir de abordagens disciplinares diferenciadas que dialogam entre si, numa trajetória de construção de conhecimento, com diferentes momentos, fases e formatos.

Ora, tal significa que o desenvolvimento desta área do conhecimento decorre de domínios do saber já consolidados, nomeadamente, na sociologia – como a sociologia da família, do género, da saúde, da cultura e a sociologia política – e em outras ciências sociais que dialogam de perto com a sociologia, neste e noutros campos, como a demografia, a história, a antropologia e a psicologia.

Retomando um trabalho de pesquisa e de reflexão de Mário Santos, de 2014, é nesse sentido que se pode falar na dupla transversalidade do nascimento enquanto objeto de análise: uma transversalidade intra e interdisciplinar. Se por um lado, essa dupla transversalidade permite uma cobertura e uma abordagem analítica mais ricas, por outro, potencia a sua invisibilidade e, até, desintegração enquanto área de especialização autónoma, nomeadamente, na sociologia (Santos, 2014). No entanto, a abrangência que configura o nascimento como objeto de análise, sendo significativa, é, simultaneamente, muito importante para a consolidação de um domínio científico autónomo.

Em Portugal, para além da literatura científica produzida, tem-se verificado um alargar de encontros de divulgação e debate científico sobre o nascimento, bem como o estabelecimento de redes de trabalho e o surgimento de estruturas, não necessariamente académicas e/ou cientificamente enquadradas, que vêm trabalhando e refletindo em torno de diferentes dimensões do nascimento. Parece-nos importante, decorrido esse caminho, abrir espaço à formalização desse reconhecimento já naturalizado em diferentes contextos, no sentido de consolidar esta área do saber em Portugal.

Assim, a criação de um Laboratório de Estudos Sociais sobre o Nascimento surgirá como uma oportunidade de alargamento do debate e da partilha transversal de contributos científicos para o crescimento do conhecimento sobre o processo social que configura o nascimento.

O Laboratório será um espaço de trabalho, considerando 4 eixos de atuação fundamentais, que se alicerçam em: (1) Reconhecimento do saber produzido, isto é, da produção científica e analítica existente; (2) Construção de novo conhecimento; (3) Divulgação do conhecimento; e (4) Reflexão em torno do conhecimento.

O Laboratório será, ainda, um espaço em que os eixos de atuação definidos comunicarão

entre si, seguindo todos eles princípios comuns; um espaço onde possam convergir diferentes áreas científicas; um espaço de promoção de sinergias, redes e protocolos com outras estruturas e profissionais que trabalham nesta área do conhecimento; um espaço aberto à internacionalização.

Prevê-se, nesse sentido, que o Laboratório de Estudos Sociais sobre o Nascimento configure, também, uma estrutura de reflexão e intervenção social. Num momento em que novas realidades vão suscitando novos desafios a esta área do saber, como as práticas em torno da medicina reprodutiva, o uso de novas tecnologias, a bioética, a opção por alternativas a normas sociais e/ou médicas na maternidade, temos noção de que a discussão não se esgota na existência de conhecimento científico abrangente, no domínio das ciências sociais e da saúde, ou na existência e aplicação de protocolos hospitalares na especialidade da obstetrícia. É necessário um debate alargado, reflexivo e construtivo, para o qual concorrem todos os agentes envolvidos no processo social do nascimento, e cujo papel se define a partir do lugar que ocupam no campo social e da forma como exercem o papel que lhes é atribuído e socialmente legitimado.

Sónia Cardoso Pintassilgo

Referências

Santos, M. (2014), “Para uma sociologia da maternidade – Um retrato temático da investigação sociológica portuguesa”, CIES e-Working Papers, No. 194/2014.

Texto adaptado de:

Pintassilgo, S. C. (2019). Nascer.pt — Laboratório de Estudos Sociais sobre Nascimento. In D. M. Neves, M. Santos, & S. Pintassilgo (Eds.), Nascimento e outros debates: Género, parentalidade e criação (pp. 73–77). Lisboa: CIES-IUL.