Dia Mundial da Menopausa

Por Violeta Alarcão e Sónia Pintassilgo (Investigadoras Integradas no CIES-Iscte)

Our knowledge about women’s health is influenced by culture, politics, medical practices, and scientific understandings of gendered bodies. The very term “women’s health” presupposes difference.

Short, S. E., & Zacher, M. (2022). Women’s Health: Population Patterns and Social Determinants. Annual review of sociology, 48, 277–298.

O Dia Mundial da Menopausa, celebrado anualmente a 18 de outubro, é uma oportunidade para aumentar a conscientização sobre a menopausa e os seus impactos na saúde física, sexual, reprodutiva, mental e social das mulheres e de todas as pessoas que menstruavam e deixam de menstruar de forma espontânea [1]. Esta data foi estabelecida pela Sociedade Internacional de Menopausa e é oficialmente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde.

A menopausa assinala o término dos ciclos menstruais. Mais do que uma simples “pausa”, é o momento que indica o fim da fertilidade, diagnosticado após 12 meses consecutivos sem menstruação. A menopausa, muito além de um processo biológico natural, é encarada como uma fase crítica de transição na vida das mulheres [2], pois está frequentemente associada a uma série de transformações físicas, emocionais, psicológicas e também sociais.  Em média, estas mudanças começam por volta dos 50 anos (embora possam começar muito antes) e estão muitas vezes ligadas a uma redefinição da identidade pessoal e dos papéis sociais femininos.

Nos países ocidentalizados, a imagem da feminilidade permanece muito associada à juventude, beleza física e fertilidade (Brooks, 2010; Winterich, 2007). Devido à sua associação com o envelhecimento e à existência de uma cultura fortemente idadista e sexista, que perceciona as pessoas “mais velhas” como “doentes” e as mulheres principalmente como “mães” ou como “objetos sexuais”, a menopausa interliga-se com a perda dos atributos “femininos”, “saudáveis” e “sensuais” (Dillaway, 2005a).

A investigação em torno da menopausa na área das ciências sociais tem mostrado que os sintomas e vivências da menopausa dependem mais de crenças e atitudes socioculturais do que de fatores biológicos (Dillaway, 2020). Lock & Kaufert (2001), por exemplo, utilizam o termo “biologias locais” para designar a forma como as mulheres percecionam e experienciam diferentemente as mudanças físicas ou fisiológicas na meia-idade, dependendo dos seus conhecimentos e expectativas sobre o envelhecimento reprodutivo e dos diferentes contextos psicossociais em que se inserem.

Em Portugal, como noutras partes do mundo, a forma como as mulheres percecionam sinais e sintomas da menopausa, o seu início, intensidade e duração, são muito variáveis, em função de diferentes circunstâncias de vida e condições sociais, existindo na realidade “várias menopausas” (Wells, 2024).

Recentemente, o parlamento português aprovou um leque de medidas relacionadas com a saúde reprodutiva, incluindo a menopausa, que visam garantir que todas as mulheres tenham acesso a tratamentos adequados, bem como informações precisas sobre a menopausa (Serafim, 2024).

A maneira como a menopausa vindo a ganhar destaque também nos meios de comunicação social exerce um impacto considerável. Representações positivas ou neutras e realistas podem contribuir para a normalização da menopausa e diminuição do estigma. Para muitas mulheres, a menopausa pode representar um momento de empoderamento e autonomia, potenciado pela despreocupação com a menstruação e/ou contraceção (Dillaway, 2005b).

Independentemente da forma díspar e variável como as mulheres percecionam esta transição de curso de vida, reconhecer que a incerteza e a mudança fazem parte das experiências de envelhecimento reprodutivo pode ser útil e até suficiente para guiar esta transição.

“Compreender que esta fase da vida representa simplesmente um tempo adicional para reflexão e um novo desafio corporal pode ser saudável e libertador. À medida que os nossos corpos encontram o seu “novo normal” através do envelhecimento reprodutivo, somos livres de pensar sobre este período da forma que mais nos convém. Em vez de nos limitarmos a pensar na menopausa e no envelhecimento reprodutivo através de uma lente biomédica, podemos pensar nesta fase da vida de uma forma mais ampla, como uma oportunidade para nos redefinirmos a nós próprias e aos nossos corpos mais uma vez. Pensar em nós próprias como estando necessariamente a viver neste período incerto, em vez de apenas o atravessar, pode ser o primeiro passo para compreender e assumir o impacto da menopausa e do envelhecimento reprodutivo. As mulheres, individualmente, bem como as mulheres no seu todo, podem fazer o que quiserem deste período incerto.” (Dillaway, 2020: 265; tradução livre das autoras)

 Notas de Rodapé:

 [1] A menstruação tem sido tradicionalmente vista como uma condição exclusivamente da mulher. No entanto, nem todas as mulheres menstruam e nem todas as pessoas que menstruam são mulheres. A adoção de uma linguagem inclusiva, como “pessoas que menstruam” ou “pessoas que deixam de menstruar”, permite incluir homens trans e pessoas não binárias, evitando reduzir essas pessoas a funções corporais ou a uma parte do corpo. A este propósito, cf. Thompson, K. J. (2024). “Inclusivity starts with language”. The Lancet, Vol. 399, 10323: 434.

[2] Usamos o termo mulheres de forma inclusiva, reconhecendo as experiências de homens trans, pessoas intersexuais, e outras pessoas que experienciam a menopausa, e simultaneamente que existem desafios acrescidos para mulheres, nomeadamente em situações de maior vulnerabilidade devido a fatores sociais, económicos, culturais, físicos e/ou regionais.

 

Bibliografia:

Brooks, A. T. 2010. “Aesthetic Anti‐Ageing Surgery and Technology: Women’s Friend or Foe?” Sociology of Health & Illness 32: 238–57.

Dillaway H. 2020. Living in Uncertain Times: Experiences of Menopause and Reproductive Aging. In: Bobel C, Winkler IT, Fahs B, et al., editors. The Palgrave Handbook of Critical Menstruation Studies. Palgrave Macmillan; 2020. Chapter 21. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK565637/ doi: 10.1007/978-981-15-0614-7_21

Dillaway, H. 2005a. “(Un)Changing Menopausal Bodies: How Women Think and Act in the Face of a Reproductive Transition and Gendered Beauty Ideals.” Sex Roles 53 (1–2): 1–17.

Dillaway, H. 2005b. “Menopause Is the ‘Good Old’: Women’s Thoughts about Reproductive Aging.” Gender & Society 19 (3): 398–417.

Lock, M., & Kaufert, P. (2001). Menopause, local biologies, and cultures of aging. American journal of human biology: the official journal of the Human Biology Council, 13(4), 494–504. https://doi.org/10.1002/ajhb.1081.

Serafim, T. 2024. “Parlamento aprova alargamento de consultas de planeamento familiar até à menopausa”. Disponível em: https://www.publico.pt/2024/10/02/sociedade/noticia/parlamento-aprova-alargamento-consultas-planeamento-familiar-ate-menopausa-2106337

Wells, 2024. Menopausa: Como é vivida pelas mulheres em Portugal. Disponível em: https://wells.pt/on/demandware.static/-/Sites-Wells-Library/default/v36e64e9ebb837cd2946da8edcc1256002ae5c2a3/EstudoMenopausa_Completo_LR.pdf?version=1,719,312,430,889

Winterich, J. A. 2007. “Aging, Femininity, and the Body: What Appearance Changes Mean to Women with Age.” Gender Issues 24 (3): 51–69.